27/07/2016
Artigo de opinião intiutlado "I'm with her", publicado na revista Sábado
Em 2004, como Secretária para as Relações Internacionais do PS (direcção Ferro Rodrigues), pela primeira vez assisti a uma Convencão do Partido Democrático, a de Boston. Tive sorte, estava lá dentro quando um jovem senador negro se distinguiu por um discurso galvanizador... Em 2008, na Convenção de Denver senti que estava ver História a fazer-se quando ele foi designado candidato para se tornar o primeiro presidente afro-americano. Em Charlotte em 2012, para reeleger Barack Obama, converti-me ao Twitter de tanto urgir bombardear petardos de bom senso keynesiano contra políticas a asfixiar a Europa com destrutiva austeridade...
Esta semana cheguei a Filadélfia em duplo aperto: pela excitação de ver História de novo com a nomeação da primeira mulher candidata a Presidente da América; e pelo medo de ela acabar por não ser eleita, entregando a América nas mãos incompetentes, irresponsáveis, racistas e violentas dum tal Donald - o "pato bravo" Trump.
Vim, como antes, a convite de Ken Wallach, director do @NDI-National Democratic Institute (a FLAD controlada por neo-cons ignora-me, felizmente!). E assim, tenho a sorte de participar no "International Leaders Forum" (#ILF2016), um programa de três dias de debates com congressistas e outros políticos, académicos, comentadores dos media americanos, além de conviver com participantes de todo o mundo (basta dizer que de Angola estão os Drs. Samakuva e Chivukuvuku, líderes da UNITA e do CASA, além da Ministra da Cultura e da Secretaria de Estado do MRE...). No Prince Theather, a dois passos do City Hall e uns blocos adiante do Independence Hall, onde há 240 anos reuniram os Constituintes. A agenda inclui um debate com o candidato a Vice-Presidente Tim Kaine.
No estádio em que decorre a Convenção, na primeira noite deixei-me electrizar, como os milhares de participantes, pelo poderoso discurso que Michelle Obama tirou das entranhas. E pela agenda por progresso, justiça e regulação económica global que a Senadora Elizabeth Warren traçou, para aviso da futura Presidente. A noite, começada sob chuva torrencial, acabou pacífica e energizada quando o sem medo de se afirmar socialista, o Senador Bernie Sanders apelou ao voto em Hillary Clinton e explicou que isso era o que impunha a "revolução política" que tinha começado e tencionava continuar.
As emocionais votações dos delegados à Convenção ontem durante o dia (as TV passam muito a da senhora de 102 anos e a do irmão de Bernie), compensaram as especulações nos média sobre as tensões que levaram ao afastamento da directora de campanha. E confirmaram a força da unidade na diferença (40% dos delegados votaram pelo socialista Bernie). E à noite Bill Clinton, em jeito intimista, passando por cima de penosos episódios, enterneceu a multidão de convertidos/as desfiando a história pessoal, de serviço público e as extraordinárias qualidades da "rapariga que um dia encontrou". Sem descurar aludir ao perigo que representa o seu desqualificado opositor, que nem precisou de nomear. A noite acabou em grande, com Meryl Streep a tonitruar que Hillary "vai ser a primeira Presidente. E não será a última!", antes de, por video e efeitos especiais, a própria aparecer simbolicamente a estilhaçar "tectos de vidro".
Esta noite, o Vice-Presidente Joe Biden vai certamente falar dos riscos estratégicos que adviriam de um presidente Trump já posto a jeito de Putin (o mesmo que financia Le Pens e UKIPs). Mas o ponto alto vai ser o Presidente Obama: imperdível por todas as razões, com a autoridade que tem para apontar o que é preciso fazer e para afiançar pela sua antiga opositora e Secretária de Estado. Sem deixar de alertar que Trump seria desgraça não só para a América e para o Mundo.
Esta é a questão que está em todas as cabeças, dos motoristas da Uber (a que aqui tive de me render) aos palestrantes no Prince Theather: o Senador Howard Dean, ex-Presidente do Partido Democrático, respondia-nos ontem que "tudo era possível", em debates com peritos nas mudanças demográficas que dão crescente força à minoria latina e com organizadores das campanhas partidárias, que sublinharam como mudou o processo comunicacional devido à tecnologia que põe a geração dos "millenials" dependente das redes sociais nos "smartphones".
O "tudo" de Howard Dean era, evidentemente, o risco de Trump acabar por ser eleito. Para que o pesadelo não se torne realidade o antídoto é... "change". Como Bill Clinton certeiramente apontou/auspiciou: "She's the best darn change-maker I've ever met in my whole life."
"Change"/mudança como prometida por Barack Obama, que a não concretizou totalmente. Porque falta o fundamental, que explica que grande parte dos americanos (como dos europeus) se sintam perdidos e perdedores na globalização. Que explica que grande parte dos americanos - como os europeus - sem emprego ou com medo de o perder, se sintam inseguros, desprezados pelo "establishment" e se voltem para populistas raivosos como Trump (e Le Pen, Farage, Wilders, Orbán, Kacinkis, etc..) que ameaçam erguer muros e atiçam medos e ódios: nem sempre "Love trumps hate", como tanto sofrimento humano demonstra.
"Change" é o que Hillary tem de prometer amanhã, no discurso de encerramento da Convenção. "Change" é o que até Novembro, para ganhar, tem de convencer a América que vai mesmo fazer para garantir segurança para todos. Uma mudança que implica corte com a política neo-liberal que Bill Clinton herdou e agravou, com a abolição do Glass-Steagall Act de 1933, que impunha separação entre banca de retalho e de investimento. Uma nova lei Glass-Steagall para o século XXI é crucial para por fim à desregulação financeira global, que explica a crise económica e muito da desordem internacional que põe em causa a democracia e se alimenta de desigualdade, corrupção, cleptocracia, injustiça, terrorismo, guerras.
Essa mudança é a pedida, vocalmente, pela juventude apoiante de Bernie, de cujos votos Hillary precisa e que só conquistará se se libertar da imagem de "candidata de Wall Street", que Trump obviamente trata de trompetear. É a da agenda proposta por Bernie Sanders e Elizabeth Warren para reformar o "sistema viciado" e voltar a devolver aos cidadãos confiança na política e nos políticos. Na América e não só. Porque o que os americanos escolherem em Novembro será mesmo determinante para todo o mundo.
Num momento particularmente sombrio para a Europa, com a UE posta em risco por tosca liderança e defeitos congénitos por corrigir (no euro e no controlo democrático, e um não melhora sem melhorar o outro), são extraordinariamente inspiradores e progressistas o discurso e a agenda política em debate nesta Convenção Democrática. Esta não é apenas a quarta a que assisto. Sinto que a História da Humanidade vai avançar. Sei que é tempo de uma Mulher, finalmente, fazer toda a diferença. Sinto que Hillary a pode fazer. E, por isso, "I'M WITH HER!"