03/07/2020
Carta ao PM António Costa e à Presidente da CE Ursula Von der Leyen sobre isenção de impostos às entidades organizadoreas da competição UEFA Champions League 2019/2020
Senhor Primeiro Ministro António Costa
Senhora Presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen
1. Em reunião extraordinária do Conselho de Ministros, a 29 de Junho de 2020, o governo português deliberou isentar de impostos as entidades organizadoras da competição UEFA Champions League 2019/2020 Finals. Ou seja, os rendimentos resultantes dos jogos daquela competição, a realizar em território português no próximo mês de Agosto, serão isentos de impostos. Esses rendimentos seriam tributáveis em sede de IRS e IRC, aplicáveis a pessoas ou entidades não residentes em Portugal. https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/governo/comunicado-de-conselho-de-ministros?i=355
2. Presume-se que serão tributados em sede de IVA os rendimentos referentes, designadamente, a direitos de transmissão televisiva e patrocínios, visto que têm impacto transnational e afectam recursos próprios da União Europeia.
3. A UEFA é uma entidade económica de âmbito transnacional europeu com fins lucrativos. Produz anualmente lucros milionários, resultantes da venda de bilhetes, direitos televisivos e patrocínios referentes às competições que organiza. A concessão de isenções fiscais à UEFA carece, pois, de qualquer racional. É um favorecimento indevido e imoral, que ofende os contribuintes dos países cujos governos se prestam a tais práticas. Além disso, favores no futebol profissional não podem deixar de levantar suspeições.
4. O futebol profissional é hoje uma atividade económica que movimenta globalmente milhares de milhões, sendo bem conhecida a opacidade de muitas das suas contas e transações financeiras. Nos últimos anos, como é do domínio público, vários protagonistas e altas figuras da indústria do futebol tem sido levados à justiça e condenados, designadamente, pelos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais.
5. Outras isenções fiscais à UEFA, ao que parece, foram já praticadas em Portugal e em diferentes países. Porém, a isenção fiscal que acaba de ser concedida pelo governo português torna-se bastante mais chocante por acontecer num contexto em que toda a Europa está envolvida no combate à Covid-19 e contra as suas consequências devastadoras para todas as economias. O que implicará, necessariamente, o rigoroso aproveitamento máximo de recursos financeiros disponíveis ao alcance dos Estados. A começar, desde logo e naturalmente, pelas receitas fiscais. Dos Estados Membros e da própria UE.
6. Neste momento histórico, em que todas as economias da Europa lutam pela sobrevivência, a concessão de uma nova isenção fiscal à hiperlucrativa UEFA é a todos os títulos um gesto espúrio. Contraria, de resto, o objectivo da atual Comissão Europeia de prover novos recursos fiscais para financiar o brutal aumento das despesas provocado pela pandemia, e ainda, a retoma económica nos próximos anos. De facto, o plano que a Comissão Europeia recentemente apresentou, prevê a tributação de receitas de atividades económicas de tipo transnacional, como são as da UEFA, até agora protegidas por sistemas facilitadores da elisão e da evasão fiscais.
7. Acresce que a UEFA, organização económica sediada em Nyon, Suíça, beneficia já de múltiplas e indevidas vantagens fiscais. É absolutamente imoral e inaceitável que a UEFA possa usufruir de ainda maiores benesses ou possa ser eximida, por qualquer governo nacional, do cumprimento de obrigações fiscais básicas que são exigidas a qualquer entidade económica, empresa ou cidadão, no espaço europeu.
8. Não é tolerável a "justificação" habitual de que a UEFA "costuma exigir" previamente as isenções fiscais, como se tivesse uma espécie de "direito histórico adquirido". E também não é aceitável o argumento de que a isenção se destina a evitar a dupla tributação. Portugal tem com a Suiça um acordo para evitar a dupla tributação, que pode aplicar-se para o efeito. A verdade é que não há nenhuma garantia de tributação, sequer simples, de prémios, comissões ou mais valias transnacionais do futebol, quase sempre com jurisdições "offshore" pelo meio.
Face a quanto precede, solicito a VExas., Senhor Primeiro Ministro e Senhora Presidente da Comissão Europeia, a imediata suspensão dos beneficios e isenções concedidos à UEFA, e todas as medidas necessárias para assegurar que serão devidamente tributadas as receitas (milionárias) dos direitos televisivos e patrocínios associados à transmissão dos jogos realizados em Portugal, no pressuposto de que não haverá público nos estádios. Se não for o caso, a tributação deve obviamente aplicar-se também aos bilhetes de entrada que deverão ser vendidos pela própria UEFA.
Com os cordiais cumprimentos,
Ana Gomes
Ex Membro do Parlamento Europeu (2004-2019)